segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Começando o ensino fundamental...

“Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja: Ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca”.
Eduardo Galeano


Muitas pessoas sabem, intuitivamente, da importância da brincadeira na vida das crianças e vários estudos científicos ratificam esse ponto, em especial, na 1a infância. É, neste momento, quando as crianças já frequentam a pré escola, começam a reconhecer seu próprio corpo, diferenciar cores, tamanhos, pesos, cheiros, quantidades... enfim, a fase CONCRETA. É importante lembrar que escrever e trabalhar com números requerem conhecimento ABSTRATO.

Aos poucos a criança começa a se vestir sozinha, colocar o sapato, comer, se relacionar com adultos e nesse contexto, por uma premissa social, iniciam a saída do seu espaço físico de conforto: a casa.

Estudos também apontam que nesta fase as crianças precisam se alimentar bem, dormir bem, e viverem plenamente numa atmosfera de carinho e afeto. Estes pontos são mais importantes do que uma série de estímulos cartesianos, que muitas vezes acabam prejudicando seu desenvolvimento, por enxergarem demasiadamente a criança como um projeto de adulto. Não se respeita o tempo, nem a individualidade de cada ser, mas paralelamente se cria o universo de expectativas de como a criança tem que existir no mundo, atropelando em muitos momentos, seus passos espontâneos e autônomos.

Em 2010 o Ensino Fundamental (EF) I que começava aos 7 anos, passou a ser iniciado aos 6. Isto é, o 1o ano de EF, a 1°série para os mais velhos, antecipou o processo de alfabetização das crianças. E qual impacto disso na construção cultural e social das famílias?

É fato que a alfabetização pode se dar em ritmos diferentes, inclusive no 1° ano do EF, mas as escolas particulares, definidoras da competitividade e da lógica meritocrática, insistem em adiantar mais ainda este processo, alfabetizando crianças com 4 e 5 anos. Fica a dúvida: futuramente, iremos viver um processo de alfabetização desde a gestação?

                                        

Alguns relatos de pais que têm seus filhos em escolas particulares de Manaus dizem que crianças de 4-5 anos tem páginas e mais páginas de tarefas para fazer, ficando muitas vezes até 22:00h da noite "estudando". Estas crianças ficam com raiva daquilo que era para ser a coisa mais maravilhosa do mundo: A curiosidade e o conhecimento. É complexo ver as famílias reproduzindo, em diversos casos, a mesma educação castradora que receberam no sistema tradicional escolar, seja por uma questão cultural, social, seja pela falta de opções de iniciativas alternativas de educação.

O ciclo de absurdos continua quando escolas particulares fazem testes para os alunos ingressarem no 1°ano. Dizem que é uma prova de nivelamento, mas estranhamente aqueles que ficam com nota abaixo da média não conseguem vagas.

Neste contexto, em conversas com algumas mães e pais, transcrevo aqui alguns relatos que ouvi das vivências de seus filhos em testes para ingressar no 1º ano do Ensino Fundamental:

“Minha filha de 6 anos fez um teste com duração de mais de uma hora e a professora (freira) que estava na sala a agrediu verbalmente dizendo que ela não sabe fazer nada direito...”

“O teste que minhas filhas gêmeas de 5 anos fizeram foi com letra cursiva, pois nesta escola não ensinam letra bastão. Minhas filhas ainda não sabem a letra cursiva, então não passaram no teste”.

“Gostei deste teste, era simples, só uma página, mas minha filha tirou 6,0. A média era 7,0. Como já tenho outra filha nesta escola eles deixaram eu matricular após eu assinar um termo me responsabilizando por ensinar a criança (e a criança aprender!) certos conteúdos até o início do ano letivo”. 

“Me explicaram que se a criança não passar no teste, teremos uma reunião para estabelecer algumas condições para poder matricular”

“Só tem 7 vagas e cerca de 140 candidatos. Eles cobram R$ 100,00 para fazer o teste, mesmo sem a garantia de que conseguiremos matricular...”

As crianças deveriam começar a aprender a ler e escrever no 1° ano, no entanto, exige-se que elas já o saibam antes de ingressar. Estimulam a competitividade entre candidatos de 5 e 6 anos de idade, colocam pressão em famílias que estão ansiosas com esta nova fase dos filhos(as).

O mundo está doente, muito doente...

Formamos pessoas cada vez mais máquinas – jovens que podem até dominar alguns conhecimentos formais, historicamente produzidos, mas infelizmente não desenvolvem maiores níveis de criticidade, autonomia, criatividade, trabalho em equipe e suas potencialidades. O pior, cada vez mais, o projeto de máquinas começa mais cedo.

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