quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

A pedagogia da maçaneta e a pedagogia da loteria

Ana Bocchini e Braz Nogueira*
Atuando isoladamente a escola não consegue contribuir para a transformação das estruturas políticas, econômicas, sociais e culturais do país. Portanto, pensar a educação não é ilha-la, desconectando-a do sistema socio-político-econômico em que vivemos, da sociedade que queremos.

O sistema educacional não pode se resumir a apenas reproduzir políticas públicas ao chão da escola de maneira aleatória ou meramente consequencial. Tais relações são casuais e representam parte da "crise" educacional que há tempos vivemos. Darcy Ribeiro dizia que a crise da educação nunca foi crise, mas sim um plano para a manutenção dos privilégios de poucos. E, nesse sentido, pensar o fazer pedagógico deve ser encarado como um ato político, não neutro, e construído de maneira coletiva, a serviço da construção de uma sociedade mais justa e democrática.
“[...] A prática educativa de opção progressista jamais deixará de ser uma aventura desveladora, uma experiência de desocultação da verdade’’ (Paulo Freire). E aí chegamos ao chão da escola e suas contradições.
Educação para poucos não é a qualidade, mas sim privilégio. É importante pensarmos a construção coletiva como a potência prática do novo mundo que desejamos viver. No sentido oposto, é comum ver  escolas que não se enxergam enquanto unidade, uma comunidade escolar que viva de fato uma construção em sociedade. Nestas escolas, os(as) educandos e famílias são obrigados a lidar com o que eu, Braz Nogueira, venho chamando de pedagogia da maçaneta. Os (as) professores e professoras, ao fecharem a porta, podem ser excelentes ou péssimos, desenvolvendo a aula que querem frente sua formação e/ou ‘’crença’’, cumprindo metas mínimas de currículo, mas sem estar inserida, muitas vezes, no contexto social daquela escola. Vive-se uma pedagogia solitária, principalmente para aqueles e aquelas que buscam desenvolver uma educação emancipadora e libertadora – disputando outro conceito de escola.
Em outra perspectiva, mas inspirada no termo da pedagogia da maçaneta, eu Ana Bocchini, comecei a chamar esta dinâmica comum das escolas de “pedagogia da loteria”, quando mães, pais e educandos ficam torcendo para que “peguem um bom professor ano seguinte”. Você pode escolher uma escola para seu filho(a), acreditando que é uma escola que está de acordo com seus princípios e ideais, mas pode ter o azar de “pegar um professor” ruim, autoritário, conteudista, que não zele o afeto, a autonomia, horizontalidade e construção coletiva. Ou, pelo contrário, você pode ganhar na loteria e, mesmo em uma escola que esteja longe de ser ideal para seu filho(a), o educador seja uma pessoa afetiva, mediando a construção dos saberes junto aos educandos, estimulando a busca pela aprendizagem significativa. 
Isto é, não podemos continuar vivendo o ciclo da pedagogia da maçaneta ou da loteria. Precisamos repensar a escola como um todo e não em práticas isoladas de educadores - por mais que seja importante, como fator de mediação, a luta de resistência de alguns docentes. Devemos colocar energia para desenvolver um fazer educativo mais plural, valorizando a diversidade de pensamento e o cuidado com as pessoas.
Nós somos ‘’testemunhas de um processo’’, substancialmente, de um modelo escolar fracassado, que precisa ser confrontado e, posteriormente, ressignificado. Uma testemunha não se trata apenas de quem viu algo acontecer em sua origem, mas a partir do momento que tomamos consciência dos constantes absurdos históricos que acontecem nos espaços escolares - e também fora deles - algo precisa ser feito, provocando uma mudança profunda e radical na educação/sociedade. E nós educadores temos responsabilidade maior nisso tudo, pois somos testemunhas e também atores deste processo. A relação dialética entre tomada de consciência e o ser-testemunha é similar as ações pedagógicas que a Alemanha faz no debate sobre o holocausto, fascismo, nazismo, mantendo viva a história para o mundo, de modo que nunca volte a ser repetida. As testemunhas em voga precisam assumir essa responsabilidade, a partir da tomada de consciência.
Não defendemos aqui nem a pedagogia da maçaneta e nem a pedagogia da loteria, mas sim, a educação de qualidade social para todos. Para que este sonho se torne realidade é necessário que todos se articulem, pois a educação de qualidade social não é só tarefa daqueles, ou de alguns, que atuam dentro da escola. Assim sendo, a pedagogia da maçaneta e pedagogia da loteria serão abolidas, pois o bom professor não se resumirá mais às suas qualidades pessoais, serão bons professores todos aqueles que expressarem na sua ação um projeto coletivo.

*Braz Nogueira tem formação acadêmica em Filosofia, História, Pedagogia e especialização em Educação Comunitária. Foi professor de escolas públicas municipais, estaduais e particulares durante 19 anos. Foi Diretor da EMEF. Pres. Campos Salles, localizada na Comunidade de Heliópolis em São Paulo, onde vem atuando há 21 anos com as lideranças da comunidade na busca da efetivação dos direitos da pessoa humana, principalmente o direito à educação de qualidade e o direito à paz. Foi Diretor Regional de Educação Ipiranga (2015-2016) e procurou ampliar para o âmbito da DRE seus valores e sua ética. O foco do seu trabalho é a Gestão Participativa e a Construção da Cultura de Paz.
Em julho de 2015 o Coletivo Escola Família Amazonas (CEFA), o qual integro, organizou um seminário que o Braz foi convidado à palestrar, quando nos conhecemos. Quando chegou a Manaus, Braz se encantou com o que viu, com o movimento dos pais pela busca de uma educação pública de qualidade no coração da Amazônia. Em uma via de mão dupla, o CEFA se alimentou de esperança ao ouvir o Braz. Neste tempo, os autores deste artigo continuam conectados trocando experiências, sempre permeadas pelos princípios compartilhados em suas atuações: Autonomia, Responsabilidade e Solidariedade.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Começando o ensino fundamental...

“Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja: Ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca”.
Eduardo Galeano


Muitas pessoas sabem, intuitivamente, da importância da brincadeira na vida das crianças e vários estudos científicos ratificam esse ponto, em especial, na 1a infância. É, neste momento, quando as crianças já frequentam a pré escola, começam a reconhecer seu próprio corpo, diferenciar cores, tamanhos, pesos, cheiros, quantidades... enfim, a fase CONCRETA. É importante lembrar que escrever e trabalhar com números requerem conhecimento ABSTRATO.

Aos poucos a criança começa a se vestir sozinha, colocar o sapato, comer, se relacionar com adultos e nesse contexto, por uma premissa social, iniciam a saída do seu espaço físico de conforto: a casa.

Estudos também apontam que nesta fase as crianças precisam se alimentar bem, dormir bem, e viverem plenamente numa atmosfera de carinho e afeto. Estes pontos são mais importantes do que uma série de estímulos cartesianos, que muitas vezes acabam prejudicando seu desenvolvimento, por enxergarem demasiadamente a criança como um projeto de adulto. Não se respeita o tempo, nem a individualidade de cada ser, mas paralelamente se cria o universo de expectativas de como a criança tem que existir no mundo, atropelando em muitos momentos, seus passos espontâneos e autônomos.

Em 2010 o Ensino Fundamental (EF) I que começava aos 7 anos, passou a ser iniciado aos 6. Isto é, o 1o ano de EF, a 1°série para os mais velhos, antecipou o processo de alfabetização das crianças. E qual impacto disso na construção cultural e social das famílias?

É fato que a alfabetização pode se dar em ritmos diferentes, inclusive no 1° ano do EF, mas as escolas particulares, definidoras da competitividade e da lógica meritocrática, insistem em adiantar mais ainda este processo, alfabetizando crianças com 4 e 5 anos. Fica a dúvida: futuramente, iremos viver um processo de alfabetização desde a gestação?

                                        

Alguns relatos de pais que têm seus filhos em escolas particulares de Manaus dizem que crianças de 4-5 anos tem páginas e mais páginas de tarefas para fazer, ficando muitas vezes até 22:00h da noite "estudando". Estas crianças ficam com raiva daquilo que era para ser a coisa mais maravilhosa do mundo: A curiosidade e o conhecimento. É complexo ver as famílias reproduzindo, em diversos casos, a mesma educação castradora que receberam no sistema tradicional escolar, seja por uma questão cultural, social, seja pela falta de opções de iniciativas alternativas de educação.

O ciclo de absurdos continua quando escolas particulares fazem testes para os alunos ingressarem no 1°ano. Dizem que é uma prova de nivelamento, mas estranhamente aqueles que ficam com nota abaixo da média não conseguem vagas.

Neste contexto, em conversas com algumas mães e pais, transcrevo aqui alguns relatos que ouvi das vivências de seus filhos em testes para ingressar no 1º ano do Ensino Fundamental:

“Minha filha de 6 anos fez um teste com duração de mais de uma hora e a professora (freira) que estava na sala a agrediu verbalmente dizendo que ela não sabe fazer nada direito...”

“O teste que minhas filhas gêmeas de 5 anos fizeram foi com letra cursiva, pois nesta escola não ensinam letra bastão. Minhas filhas ainda não sabem a letra cursiva, então não passaram no teste”.

“Gostei deste teste, era simples, só uma página, mas minha filha tirou 6,0. A média era 7,0. Como já tenho outra filha nesta escola eles deixaram eu matricular após eu assinar um termo me responsabilizando por ensinar a criança (e a criança aprender!) certos conteúdos até o início do ano letivo”. 

“Me explicaram que se a criança não passar no teste, teremos uma reunião para estabelecer algumas condições para poder matricular”

“Só tem 7 vagas e cerca de 140 candidatos. Eles cobram R$ 100,00 para fazer o teste, mesmo sem a garantia de que conseguiremos matricular...”

As crianças deveriam começar a aprender a ler e escrever no 1° ano, no entanto, exige-se que elas já o saibam antes de ingressar. Estimulam a competitividade entre candidatos de 5 e 6 anos de idade, colocam pressão em famílias que estão ansiosas com esta nova fase dos filhos(as).

O mundo está doente, muito doente...

Formamos pessoas cada vez mais máquinas – jovens que podem até dominar alguns conhecimentos formais, historicamente produzidos, mas infelizmente não desenvolvem maiores níveis de criticidade, autonomia, criatividade, trabalho em equipe e suas potencialidades. O pior, cada vez mais, o projeto de máquinas começa mais cedo.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

PRÓXIMA FASE 










As crianças são, incansavelmente, preparadas pela sociedade e principalmente pela escola, para a próxima fase da vida. Como em um jogo de vídeo game, onde se  conquista determinados prêmios e se destrói alguns monstros, o personagem se encontra pronto para a fase seguinte. Até que se chegue ao objetivo final, no caso do vídeo game da vida, para quê? No fim das contas, onde é a parada para ser ‘’alguém na vida’’?

Na educação infantil eles são preparados para entrarem no ensino fundamental I, com a tal pré alfabetização. No final do Fundamental I são preparadas para o Fundamental II, com a justificativa que entrarão numa fase de mudanças e infelizmente conhecerão a divisão de disciplinas, passando a ter muitos professores. No final do Fundamental II começam a ser preparados para o Ensino Médio, quando terão ainda mais disciplinas fragmentadas e mais professores desconectados. No Ensino Médio são preparados para os vestibulares. Na faculdade serão preparados para a profissão que escolheram e, finalmente, chegar ao objetivo final: “ser alguém na vida”.

Mas escolher a profissão, na verdade, começa ali na educação infantil, ou até bem antes dela, com a famosa pergunta: “o que você vai ser quando crescer?”. Existem relatos interessantes de crianças que respondem: “vou ser grande” ou “vou ser adulto”. Mas essas inteligentes respostas não bastam para nossa sociedade adultocêntrica e educadores que, desde sempre, insistem na pergunta. As crianças pequenas, nas atividades escolares sobre “o que vou ser quando crescer” escolhem profissões que os professores acham normal e bonito - policial, professora, médico –, ou escolhem aquelas em que seus tutores as veem como “bonitinhas’’ ingênuas e sonhadoras demais – quantos astronautas, mergulhadores, artistas de cinema, presidentes são castrados todos os dias? Ainda tem as crianças que escolhem profissões que causam estranhamento por conta da nossa sociedade preconceituosa em sua visão hierarquizada do conhecimento – pescador, catador de lixo, lavador de carro – como se o exercício intelectual e prático fossem campos antagônicos.

O que esta simples pergunta, “o que vai ser quando crescer?” implica na educação? Será este o ponto central da escola? Passar para a próxima fase, sem necessariamente sabermos como está a fase atual da criança? A criança, de forma linda e sincera, não tem a necessidade de planejar o amanhã. O adolescente já começa a fazer planos, mas muitas vezes são barrados porque eles não necessariamente passam pelas fases esperadas.

Por que a necessidade de obrigar as crianças a pensarem em suas profissões, socialmente e economicamente bem vistas pela sociedade dos adultos, ou melhor, dizendo das ex-crianças? Como podemos esquecer tão rapidamente quem um dia fomos e os sonhos que carregávamos? Se olharmos para o presente, o que de novo, de potencial, de bonito enxergaremos nas crianças e jovens?  Alberto Caeiro, codinome usado pelo Fernando Pessoa sugere que a gente se importe apenas com o lugar em que estamos:
Para além da curva da estrada
Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.

Confesso que me perco em pensamentos sobre o mundo que almejo, mas por ora, só sei que aqui estou, antes da curva, e estou cansada da pressão de ter que ver o que será desse suposto e incerto amanhã. Seja para mim, para meus filhos ou para todas as crianças... Que elas possam ser pessoas mais sanas, menos ansiosas e mais confiantes de seus sonhos. Como dizia Alexander Neill: "Gostaria antes de ver a escola produzir um varredor de ruas feliz do que um erudito neurótico". 




sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Simplicidade

Momentos únicos que só quem é mãe/pai sabem como é: estar deitada com a(o) filha(o) na cama, fazendo cócegas, conversando, rindo, vivendo... simples e maravilhoso assim.
Em um destes dias com minha filha Luiza, de 3 anos, estava vivendo um dia melancólico e começo um diálogo:

Eu: Filha, se um dia, nós duas, só nós duas pudéssemos fazer qualquer coisa juntas, o que você iria escolher?
Luiza: Sair para comprar um presente para você!

Mais uma vez a criança surpreende. Mesmo já me colocando no lugar dela, achei que ela ia responder, “viajar juntas para África”, “ir no cinema só nós duas”... Mas não, ela queria usar este momento para comprar um presente para mim. Dei um sorriso enorme e continuei:

“Sério? E qual presente seria este presente?”. A resposta da Luiza...: “Um jornal”.

Pronto. Aí a surpresa foi maior. Um jornal??? Ri muito e acabei continuando o diálogo na lógica do adulto, ambicioso...

“Um Jornal? Só isso que você quer fazer com a mamãe num momento só nós duas?”
Luiza: “Ta bom. Nesse dia só de nós duas a gente pode comprar um presente para mim também. Uma boneca com chupeta de verdade”.

Aí  reside a simplicidade do momento. Por que nós adultos temos tanta dificuldade em ser simples como as crianças? E mais: por que a teoria da psicologia já tão provada da fase egocêntrica é colocada como rígida e absoluta? Claro, a criança pequena é egocêntrica (vejam, ela pede uma boneca para ela). Mas o que ela quer antes disso? Comprar um presente para mim...

A criança é solidária, pensa no outro, desde bebê. Sabe quando um bebê chora em um lugar público e todos os outros bebês e crianças se atentam à isso? Vejo nos olhinhos deles, os questionamentos: “por que será que este bebê está chorando? Será que a mãe dele já está lá ajudando?”.

Não nego a fase egocêntrica, longe de mim contrariar Freud e Piaget (!). Mas para mim (e desconfio que para Freud e Piaget também...) a criança é egocêntrica como devemos ser. É um egocêntrico bonito, humano, extintivo. “Este brinquedo é meu e pronto”. E é verdade: é dele mesmo.
Por que tem que emprestar para o amiguinho? Forçamos as crianças a agir com uma suposta gentileza moral, que muitas vezes, nem nós adultos damos conta desse exercício em nossas vidas. Geralmente nós não somos capazes de dividir nossos bens com ninguém. Você emprestaria “só um pouquinho” seu celular para um colega do trabalho? Ou quem sabe dar uma garfada da sua comida para um estranho no restaurante...

A Luiza, mesmo com sua personalidade forte, com sua braveza e todo seu egocentrismo, chega de uma festinha de aniversário e divide sua lembrancinha com o irmão, que não foi na festa.


Pois é, a Luiza está me ensinando que não é tão simples assim definir e taxar as diferentes fases das crianças...

*Foto de Danilo Bueno, em 16/10/2016

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

O amor se constrói na escuta
"Os adultos falam a partir do tempo deles, das coisas que eles já viveram e acham que é certo e errado. As crianças falam com a imaginação". João Bocchini Antunes, 6 anos.

Perguntas de crianças com respostas de adultos geralmente não combinam. Mas podem nos fazer pensar: Como sou como adulta? Como sou mãe, pai, educador...?

Todos os dias têm a mesma quantidade de horas? E a noite e o dia, tem seus tempos iguais?
Se, supostamente sim, por que momentos passam mais rápidos que outros?

O que faz um mês de férias passar na velocidade da luz e um mês na escola parecer uma eternidade? Aliás, existe alguma velocidade mais rápida que a da luz?

Ao buscar na escola, a mãe está preocupada em como foi o dia na escola, se fez a tarefa, se aprendeu, se fez amigos, se comeu bem, se tem tarefa para o dia seguinte... mas, jogando o jogo do filho, pergunta: seu dia passou rápido ou devagar? Ela se alegra demais quando o dia passou rápido, e como se preocupa com aqueles dias que passaram tão devagar a ponto de uma criança tão intensa e criativa simplesmente se apagar.

Até quando a gente vai assistir nossos filhos serem apagados? O que precisamos fazer para que as crianças sejam escutadas? Para que escutar as crianças, não é mesmo? “Elas, tão ingênuas, ainda não sabem de nada.... ainda tem muito o que aprender com a vida”. Serão elas ingênuas ou elas estão gritando para nós adultos querendo mostrar a beleza da simplicidade, dos detalhes, do óbvio. O dia que a sociedade entender que as crianças têm muito a nos dizer, acho que uma mudança pode começar a acontecer.

Quando a criança dorme não percebe a hora passar, mas também não vê a hora de acordar e começar mais um dia que passa rápido. Enquanto ele dorme a mãe o observa e pensa em Fernando Pessoa: “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que elas acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”.

Eu quero mesmo é viver a velocidade da luz, como será que é mãe?
Filho, eu não sei; acho que ela é intensa e se, me permite falar de amor, cada vez mais penso que “o amor se constrói na escuta”. Por isso, quero saber: o que você acha? Como é a velocidade da Luz?
Mãe, a velocidade da Luz é mais rápida que a do som. Da para perceber quando a gente vê o trovão e só depois ouve...

* texto construído a partir de perguntas do meu filho João de 6 anos. Ele é encanado com esta tal velocidade da Luz. Eu, como adulta chata, nunca havia me questionado sobre isso. Ao conversar sobre estas coisas com meu amigo Franco, ele me passou o trecho do Fernando Pessoa citado aí no texto. A foto foi tirada em 2015 em Alter do Chão pelo André, pai do João. Enfim, este textinho foi uma construção coletiva

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Não temos (ainda) a escola que sonhamos, mas temos um Coletivo!


O CEFA – Coletivo Escola Família Amazonas – surgiu a partir de conversas informais no portão de escola, em festas e churrascos: “que escola colocar nossos filhos? Tem uma pública legal? As particulares são muito caras? Eles fazem atividades fora da sala de aula na escola? Precisa usar uniforme? Tem muita tarefa? Eles têm tempo para brincar? Os professores são afetuosos? Tem esportes e atividades de artes?”, etc, etc...

Nossos filhos fizeram com que nós, colegas de portão de escola e festinhas infantis, virássemos grandes amigos. Hoje temos um grupo em Manaus. Um coletivo de pais, mães e crianças. As crianças já se reconhecem entre si como um grupo. Assim como tem os amigos da rua, da escola, tem as crianças do CEFA. Nos finais de semana nos encontramos para fazer um peixe assado, para passear no rio negro, ir à cachoeiras, sair para tomar um sorvete, etc.

Os adultos criaram um laço de amizade. Muitos de nós trabalhamos fazendo viagens e quando a mãe ou o pai fica sozinho com as crianças em casa, já sabe para quem ligar para pedir uma força! Nos tornando amigos passamos a ver que compactuamos não só com a ideia que temos de escola, mas também de visão de mundo, de valores...


Ainda estamos preocupados com a escassa opções de escolas que valorizem a criança, dando voz à elas e estimulando as diferentes linguagens, mas temos um grupo, um coletivo, que compactua as mesmas ideias e as crianças já se identificam entre si!

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Projeto Âncora, Escola Politeia e EMEF Campos Salles: provas de que é possível transformar a escola

EMEF Campos Salles: os salões uniram diferentes turmas e
não utilizam mais o sistema de aula expositiva.
Visitei estas três escolas semana passada em São Paulo. As visitas foram bem diferentes de visitas que ando fazendo em Manaus para escolher a futura escola do meu filho... No Âncora fui guiada por uma criança de 11 anos que mostrou o espaço da escola e conversou sobre como ela funciona, quais são as regras, o que eles estudam e o que ele acha da escola. Na Politeia, após 10 minutos que estava lá, me convidaram para um passeio ao parque que um grupo de alunos escolheu como atividade para a primeira parte da tarde. Por fim, ma Campos Salles,  após conversa com educadores, conversei cerca de 20 minutos com a presidente a vice presidente da escola, duas simpáticas meninas de 12 e 13 anos que me contaram um pouco do dia a dia, dos desafios que elas encontram e do que estão estudando.

Projeto Âncora, uma ONG que tem uma escola particular filantrópica de Educação infantil e Ensino Fundamental; Politeia, um colégio particular de ensino fundamental; EMEF Campos Salles uma escola municipal também de ensino fundamental. Três realidades diferentes, onde aprendi muito em cada uma delas. Para cada uma das experiências vou escrever um post, mas por enquanto aqui gostaria de destacar alguns pontos que encontrei em comum.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional diz que “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) não são divididos por série e valorizam a interdisciplinaridade. O que estas escolas (e tantas outras - Veja link de mapeamento de escola democráticas no mundo) fazem não é novo, não é inédito. É um processo de retomada de levar adiante o que educadores como Paulo Freire, Darcy Ribeiro e tantos outros já nos dizem há tempos.

Projeto Âncora: Na mesma mesa três crianças de idades diferentes,
cada uma fazendo uma atividade relacionada ao seu projeto
individual (uma lendo um livro, outra desenhando e outro escrevendo).
As três escolas que visitei são espaços livres, mas com regras. Regras construídas de forma tão natural que quando questionei um menino de 11 anos sobre como elas são construídas ele respondeu: “ah, a gente acha importante discutir alguma coisa, discute e decide as regras”. Conviver é assim; problemas e conflitos surgem e temos que resolver juntos, em equipe, para que faça sentido para todos envolvidos. Uma regra ditada muitas vezes pode não fazer sentido, uma regra onde há reflexão e decisão conjunta tem maior chance de ser seguida.

Nas três escolas a criança é vista como indivíduo único e não padronizado. Eles não usam uniforme, e um educando me explica: “Cada um é de um jeito. Acho chato todo mundo se vestir igual”.

Após estas três visitas constatei que além de ser possível transformar as escolas, é necessário e urgente. Se a escola já não fazia sentido antes, hoje não se adéqua a realidade atual, da era da informática. Um educando de uma destas escolas me disse que na escola que estudava antes o professor de matemática ficava em seus precisos 50 minutos de aula explicando a tabuada, mas ele não prestava atenção porque em 5 minutos poderia consultar a tabuada em seu celular. A escola como é, com o professor como detentor do saber, chega a parecer piada na era da informação/comunicação rápida.

Mural da escola Politeia com explicações da comissão
que organiza as saídas da escola
Uma educanda de 12 anos de uma das escolas me conta: “eu sempre gostei de estudar, mas na outra escola a aula tinha 50 minutos. Quando tinha passado uns 20 minutos eu estava começando a entender e me empolgar, mas aí logo tocava o sinal e eu tinha que parar e começar a pensar na outra matéria”. A colega dela, de 13 anos, completou:  “sentar nestas mesas redondas junto com os colegas é muito bom porque antes eu tinha que perguntar baixinho uma dúvida para um amigo, com medo que o professor visse. Hoje a gente se ajuda, discute e conversa sobre o roteiro que estamos fazendo. Não é só o professor que pode me ajudar. Um colega também pode!”.

Nestas escolas as crianças aprendem a interpretar, pensar, agir e ter valores como respeito, ajuda, ética, honestidade, entre outros... Não é uma tarefa fácil, é uma mudança de paradigma e fruto de muito trabalho. Nas três escolas me deixaram claro que educação se faz em conjunto, com trabalho em equipe entre educadores, educandos, pais e comunidade.