Ana Bocchini e Braz
Nogueira*
Atuando isoladamente a escola
não consegue contribuir para a transformação das estruturas políticas,
econômicas, sociais e culturais do país. Portanto, pensar a educação não é
ilha-la, desconectando-a do sistema socio-político-econômico em que vivemos, da
sociedade que queremos.
O
sistema educacional não pode se resumir a apenas reproduzir políticas públicas
ao chão da escola de maneira aleatória ou meramente consequencial. Tais
relações são casuais e representam parte da "crise" educacional que
há tempos vivemos. Darcy Ribeiro dizia que a crise da educação nunca foi crise,
mas sim um plano para a manutenção dos privilégios de poucos. E, nesse sentido,
pensar o fazer pedagógico deve ser encarado como um ato político, não neutro, e
construído de maneira coletiva, a serviço da construção de uma sociedade mais
justa e democrática.
“[...] A prática
educativa de opção progressista jamais deixará de ser uma aventura desveladora,
uma experiência de desocultação da verdade’’ (Paulo Freire). E aí chegamos ao
chão da escola e suas contradições.
Educação para poucos não é a qualidade, mas sim
privilégio. É importante pensarmos a construção coletiva como a potência
prática do novo mundo que desejamos viver. No sentido oposto, é comum
ver escolas que não se enxergam enquanto unidade, uma comunidade escolar
que viva de fato uma construção em sociedade. Nestas escolas, os(as) educandos
e famílias são obrigados a lidar com o que eu, Braz Nogueira, venho chamando de
pedagogia da maçaneta. Os (as) professores e professoras, ao fecharem a porta,
podem ser excelentes ou péssimos, desenvolvendo a aula que querem frente sua
formação e/ou ‘’crença’’, cumprindo metas mínimas de currículo, mas sem estar
inserida, muitas vezes, no contexto social daquela escola. Vive-se uma
pedagogia solitária, principalmente para aqueles e aquelas que buscam
desenvolver uma educação emancipadora e libertadora – disputando outro conceito
de escola.
Em outra perspectiva, mas inspirada no termo da
pedagogia da maçaneta, eu Ana Bocchini, comecei a chamar esta dinâmica comum
das escolas de “pedagogia da loteria”, quando mães, pais e educandos ficam
torcendo para que “peguem um bom professor ano seguinte”. Você pode escolher
uma escola para seu filho(a), acreditando que é uma escola que está de acordo
com seus princípios e ideais, mas pode ter o azar de “pegar um professor” ruim,
autoritário, conteudista, que não zele o afeto, a autonomia, horizontalidade e
construção coletiva. Ou, pelo contrário, você pode ganhar na loteria e, mesmo
em uma escola que esteja longe de ser ideal para seu filho(a), o educador seja
uma pessoa afetiva, mediando a construção dos saberes junto aos educandos,
estimulando a busca pela aprendizagem significativa.
Isto é, não podemos continuar vivendo o ciclo da
pedagogia da maçaneta ou da loteria. Precisamos repensar a escola como um todo
e não em práticas isoladas de educadores - por mais que seja importante, como
fator de mediação, a luta de resistência de alguns docentes. Devemos colocar
energia para desenvolver um fazer educativo mais plural, valorizando a
diversidade de pensamento e o cuidado com as pessoas.
Nós somos ‘’testemunhas de um processo’’, substancialmente, de um modelo escolar fracassado, que precisa ser confrontado e, posteriormente, ressignificado. Uma testemunha não se trata apenas de quem viu algo acontecer em sua origem, mas a partir do momento que tomamos consciência dos constantes absurdos históricos que acontecem nos espaços escolares - e também fora deles - algo precisa ser feito, provocando uma mudança profunda e radical na educação/sociedade. E nós educadores temos responsabilidade maior nisso tudo, pois somos testemunhas e também atores deste processo. A relação dialética entre tomada de consciência e o ser-testemunha é similar as ações pedagógicas que a Alemanha faz no debate sobre o holocausto, fascismo, nazismo, mantendo viva a história para o mundo, de modo que nunca volte a ser repetida. As testemunhas em voga precisam assumir essa responsabilidade, a partir da tomada de consciência.
Nós somos ‘’testemunhas de um processo’’, substancialmente, de um modelo escolar fracassado, que precisa ser confrontado e, posteriormente, ressignificado. Uma testemunha não se trata apenas de quem viu algo acontecer em sua origem, mas a partir do momento que tomamos consciência dos constantes absurdos históricos que acontecem nos espaços escolares - e também fora deles - algo precisa ser feito, provocando uma mudança profunda e radical na educação/sociedade. E nós educadores temos responsabilidade maior nisso tudo, pois somos testemunhas e também atores deste processo. A relação dialética entre tomada de consciência e o ser-testemunha é similar as ações pedagógicas que a Alemanha faz no debate sobre o holocausto, fascismo, nazismo, mantendo viva a história para o mundo, de modo que nunca volte a ser repetida. As testemunhas em voga precisam assumir essa responsabilidade, a partir da tomada de consciência.
Não
defendemos aqui nem a pedagogia da maçaneta e nem a pedagogia da loteria, mas
sim, a educação de qualidade social para todos. Para que este sonho se torne
realidade é necessário que todos se articulem, pois a educação de qualidade
social não é só tarefa daqueles, ou de alguns, que atuam dentro da escola.
Assim sendo, a pedagogia da maçaneta e pedagogia da loteria serão abolidas,
pois o bom professor não se resumirá mais às suas qualidades pessoais, serão
bons professores todos aqueles que expressarem na sua ação um projeto coletivo.
*Braz Nogueira
tem formação acadêmica em Filosofia, História, Pedagogia e especialização em
Educação Comunitária. Foi professor de escolas públicas municipais, estaduais e
particulares durante 19 anos. Foi Diretor da EMEF. Pres. Campos Salles,
localizada na Comunidade de Heliópolis em São Paulo, onde vem atuando há 21
anos com as lideranças da comunidade na busca da efetivação dos direitos da
pessoa humana, principalmente o direito à educação de qualidade e o direito à
paz. Foi Diretor Regional de Educação Ipiranga (2015-2016) e procurou ampliar
para o âmbito da DRE seus valores e sua ética. O foco do seu trabalho é a
Gestão Participativa e a Construção da Cultura de Paz.
Em julho de 2015 o Coletivo Escola Família Amazonas (CEFA), o qual integro, organizou
um seminário que o Braz foi convidado à palestrar, quando nos conhecemos. Quando chegou a Manaus, Braz se encantou com o que
viu, com o movimento dos pais pela busca de uma educação pública de qualidade
no coração da Amazônia. Em uma via de mão dupla, o CEFA se alimentou de
esperança ao ouvir o Braz. Neste tempo, os autores deste artigo continuam
conectados trocando experiências, sempre permeadas pelos princípios
compartilhados em suas atuações: Autonomia, Responsabilidade e Solidariedade.