“Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa:
Proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: É
proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja: Ainda existe gente
que canta, ainda existe gente que brinca”.
Eduardo Galeano
Muitas pessoas sabem, intuitivamente, da importância da brincadeira na vida das crianças e vários estudos científicos ratificam esse ponto, em especial, na 1a infância. É, neste momento, quando as crianças já frequentam a pré escola, começam a reconhecer seu próprio corpo, diferenciar cores, tamanhos, pesos, cheiros, quantidades... enfim, a fase CONCRETA. É importante lembrar que escrever e trabalhar com números requerem conhecimento ABSTRATO.
Aos poucos a criança
começa a se vestir sozinha, colocar o sapato, comer, se relacionar com adultos
e nesse contexto, por uma premissa social, iniciam a saída do seu espaço físico
de conforto: a casa.
Estudos também apontam
que nesta fase as crianças precisam se alimentar bem, dormir bem, e viverem
plenamente numa atmosfera de carinho e afeto. Estes pontos são mais importantes
do que uma série de estímulos cartesianos, que muitas vezes acabam prejudicando
seu desenvolvimento, por enxergarem demasiadamente a criança como um projeto de
adulto. Não se respeita o tempo, nem a individualidade de cada ser, mas
paralelamente se cria o universo de expectativas de como a criança tem que
existir no mundo, atropelando em muitos momentos, seus passos espontâneos e
autônomos.
Em 2010 o Ensino
Fundamental (EF) I que começava aos 7 anos, passou a ser iniciado aos 6. Isto
é, o 1o ano de EF, a 1°série para os mais velhos, antecipou o processo de
alfabetização das crianças. E qual impacto disso na construção cultural e
social das famílias?
É fato que a
alfabetização pode se dar em ritmos diferentes, inclusive no 1° ano do EF, mas
as escolas particulares, definidoras da competitividade e da lógica
meritocrática, insistem em adiantar mais ainda este processo, alfabetizando
crianças com 4 e 5 anos. Fica a dúvida: futuramente, iremos viver um processo
de alfabetização desde a gestação?
Alguns relatos de pais
que têm seus filhos em escolas particulares de Manaus dizem que crianças de 4-5
anos tem páginas e mais páginas de tarefas para fazer, ficando muitas vezes até
22:00h da noite "estudando". Estas crianças ficam com raiva daquilo
que era para ser a coisa mais maravilhosa do mundo: A curiosidade e o conhecimento.
É complexo ver as famílias reproduzindo, em diversos casos, a mesma educação
castradora que receberam no sistema tradicional escolar, seja por uma questão
cultural, social, seja pela falta de opções de iniciativas alternativas de
educação.
O ciclo de absurdos
continua quando escolas particulares fazem testes para os alunos ingressarem no
1°ano. Dizem que é uma prova de nivelamento, mas estranhamente aqueles que
ficam com nota abaixo da média não conseguem vagas.
Neste contexto, em
conversas com algumas mães e pais, transcrevo aqui alguns relatos que ouvi das
vivências de seus filhos em testes para ingressar no 1º ano do Ensino
Fundamental:
“Minha filha de 6 anos fez um teste com duração de
mais de uma hora e a professora (freira) que estava na sala a agrediu
verbalmente dizendo que ela não sabe fazer nada direito...”
“O teste que minhas filhas gêmeas de 5 anos fizeram
foi com letra cursiva, pois nesta escola não ensinam letra bastão. Minhas
filhas ainda não sabem a letra cursiva, então não passaram no teste”.
“Gostei deste teste, era simples, só uma página,
mas minha filha tirou 6,0. A média era 7,0. Como já tenho outra filha nesta
escola eles deixaram eu matricular após eu assinar um termo me
responsabilizando por ensinar a criança (e a criança aprender!) certos
conteúdos até o início do ano letivo”.
“Me explicaram que se a criança não passar no
teste, teremos uma reunião para estabelecer algumas condições para poder
matricular”
“Só tem 7 vagas e cerca de 140 candidatos. Eles
cobram R$ 100,00 para fazer o teste, mesmo sem a garantia de que conseguiremos
matricular...”
As crianças deveriam
começar a aprender a ler e escrever no 1° ano, no entanto, exige-se que elas já
o saibam antes de ingressar. Estimulam a competitividade entre candidatos de 5 e 6
anos de idade, colocam pressão em famílias que estão ansiosas com esta nova
fase dos filhos(as).
O mundo está
doente, muito doente...
Formamos pessoas cada
vez mais máquinas – jovens que podem até dominar alguns conhecimentos formais,
historicamente produzidos, mas infelizmente não desenvolvem maiores níveis de
criticidade, autonomia, criatividade, trabalho em equipe e suas potencialidades.
O pior, cada vez mais, o projeto de máquinas começa mais cedo.