terça-feira, 6 de dezembro de 2016

PRÓXIMA FASE 










As crianças são, incansavelmente, preparadas pela sociedade e principalmente pela escola, para a próxima fase da vida. Como em um jogo de vídeo game, onde se  conquista determinados prêmios e se destrói alguns monstros, o personagem se encontra pronto para a fase seguinte. Até que se chegue ao objetivo final, no caso do vídeo game da vida, para quê? No fim das contas, onde é a parada para ser ‘’alguém na vida’’?

Na educação infantil eles são preparados para entrarem no ensino fundamental I, com a tal pré alfabetização. No final do Fundamental I são preparadas para o Fundamental II, com a justificativa que entrarão numa fase de mudanças e infelizmente conhecerão a divisão de disciplinas, passando a ter muitos professores. No final do Fundamental II começam a ser preparados para o Ensino Médio, quando terão ainda mais disciplinas fragmentadas e mais professores desconectados. No Ensino Médio são preparados para os vestibulares. Na faculdade serão preparados para a profissão que escolheram e, finalmente, chegar ao objetivo final: “ser alguém na vida”.

Mas escolher a profissão, na verdade, começa ali na educação infantil, ou até bem antes dela, com a famosa pergunta: “o que você vai ser quando crescer?”. Existem relatos interessantes de crianças que respondem: “vou ser grande” ou “vou ser adulto”. Mas essas inteligentes respostas não bastam para nossa sociedade adultocêntrica e educadores que, desde sempre, insistem na pergunta. As crianças pequenas, nas atividades escolares sobre “o que vou ser quando crescer” escolhem profissões que os professores acham normal e bonito - policial, professora, médico –, ou escolhem aquelas em que seus tutores as veem como “bonitinhas’’ ingênuas e sonhadoras demais – quantos astronautas, mergulhadores, artistas de cinema, presidentes são castrados todos os dias? Ainda tem as crianças que escolhem profissões que causam estranhamento por conta da nossa sociedade preconceituosa em sua visão hierarquizada do conhecimento – pescador, catador de lixo, lavador de carro – como se o exercício intelectual e prático fossem campos antagônicos.

O que esta simples pergunta, “o que vai ser quando crescer?” implica na educação? Será este o ponto central da escola? Passar para a próxima fase, sem necessariamente sabermos como está a fase atual da criança? A criança, de forma linda e sincera, não tem a necessidade de planejar o amanhã. O adolescente já começa a fazer planos, mas muitas vezes são barrados porque eles não necessariamente passam pelas fases esperadas.

Por que a necessidade de obrigar as crianças a pensarem em suas profissões, socialmente e economicamente bem vistas pela sociedade dos adultos, ou melhor, dizendo das ex-crianças? Como podemos esquecer tão rapidamente quem um dia fomos e os sonhos que carregávamos? Se olharmos para o presente, o que de novo, de potencial, de bonito enxergaremos nas crianças e jovens?  Alberto Caeiro, codinome usado pelo Fernando Pessoa sugere que a gente se importe apenas com o lugar em que estamos:
Para além da curva da estrada
Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.

Confesso que me perco em pensamentos sobre o mundo que almejo, mas por ora, só sei que aqui estou, antes da curva, e estou cansada da pressão de ter que ver o que será desse suposto e incerto amanhã. Seja para mim, para meus filhos ou para todas as crianças... Que elas possam ser pessoas mais sanas, menos ansiosas e mais confiantes de seus sonhos. Como dizia Alexander Neill: "Gostaria antes de ver a escola produzir um varredor de ruas feliz do que um erudito neurótico". 




sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Simplicidade

Momentos únicos que só quem é mãe/pai sabem como é: estar deitada com a(o) filha(o) na cama, fazendo cócegas, conversando, rindo, vivendo... simples e maravilhoso assim.
Em um destes dias com minha filha Luiza, de 3 anos, estava vivendo um dia melancólico e começo um diálogo:

Eu: Filha, se um dia, nós duas, só nós duas pudéssemos fazer qualquer coisa juntas, o que você iria escolher?
Luiza: Sair para comprar um presente para você!

Mais uma vez a criança surpreende. Mesmo já me colocando no lugar dela, achei que ela ia responder, “viajar juntas para África”, “ir no cinema só nós duas”... Mas não, ela queria usar este momento para comprar um presente para mim. Dei um sorriso enorme e continuei:

“Sério? E qual presente seria este presente?”. A resposta da Luiza...: “Um jornal”.

Pronto. Aí a surpresa foi maior. Um jornal??? Ri muito e acabei continuando o diálogo na lógica do adulto, ambicioso...

“Um Jornal? Só isso que você quer fazer com a mamãe num momento só nós duas?”
Luiza: “Ta bom. Nesse dia só de nós duas a gente pode comprar um presente para mim também. Uma boneca com chupeta de verdade”.

Aí  reside a simplicidade do momento. Por que nós adultos temos tanta dificuldade em ser simples como as crianças? E mais: por que a teoria da psicologia já tão provada da fase egocêntrica é colocada como rígida e absoluta? Claro, a criança pequena é egocêntrica (vejam, ela pede uma boneca para ela). Mas o que ela quer antes disso? Comprar um presente para mim...

A criança é solidária, pensa no outro, desde bebê. Sabe quando um bebê chora em um lugar público e todos os outros bebês e crianças se atentam à isso? Vejo nos olhinhos deles, os questionamentos: “por que será que este bebê está chorando? Será que a mãe dele já está lá ajudando?”.

Não nego a fase egocêntrica, longe de mim contrariar Freud e Piaget (!). Mas para mim (e desconfio que para Freud e Piaget também...) a criança é egocêntrica como devemos ser. É um egocêntrico bonito, humano, extintivo. “Este brinquedo é meu e pronto”. E é verdade: é dele mesmo.
Por que tem que emprestar para o amiguinho? Forçamos as crianças a agir com uma suposta gentileza moral, que muitas vezes, nem nós adultos damos conta desse exercício em nossas vidas. Geralmente nós não somos capazes de dividir nossos bens com ninguém. Você emprestaria “só um pouquinho” seu celular para um colega do trabalho? Ou quem sabe dar uma garfada da sua comida para um estranho no restaurante...

A Luiza, mesmo com sua personalidade forte, com sua braveza e todo seu egocentrismo, chega de uma festinha de aniversário e divide sua lembrancinha com o irmão, que não foi na festa.


Pois é, a Luiza está me ensinando que não é tão simples assim definir e taxar as diferentes fases das crianças...

*Foto de Danilo Bueno, em 16/10/2016

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

O amor se constrói na escuta
"Os adultos falam a partir do tempo deles, das coisas que eles já viveram e acham que é certo e errado. As crianças falam com a imaginação". João Bocchini Antunes, 6 anos.

Perguntas de crianças com respostas de adultos geralmente não combinam. Mas podem nos fazer pensar: Como sou como adulta? Como sou mãe, pai, educador...?

Todos os dias têm a mesma quantidade de horas? E a noite e o dia, tem seus tempos iguais?
Se, supostamente sim, por que momentos passam mais rápidos que outros?

O que faz um mês de férias passar na velocidade da luz e um mês na escola parecer uma eternidade? Aliás, existe alguma velocidade mais rápida que a da luz?

Ao buscar na escola, a mãe está preocupada em como foi o dia na escola, se fez a tarefa, se aprendeu, se fez amigos, se comeu bem, se tem tarefa para o dia seguinte... mas, jogando o jogo do filho, pergunta: seu dia passou rápido ou devagar? Ela se alegra demais quando o dia passou rápido, e como se preocupa com aqueles dias que passaram tão devagar a ponto de uma criança tão intensa e criativa simplesmente se apagar.

Até quando a gente vai assistir nossos filhos serem apagados? O que precisamos fazer para que as crianças sejam escutadas? Para que escutar as crianças, não é mesmo? “Elas, tão ingênuas, ainda não sabem de nada.... ainda tem muito o que aprender com a vida”. Serão elas ingênuas ou elas estão gritando para nós adultos querendo mostrar a beleza da simplicidade, dos detalhes, do óbvio. O dia que a sociedade entender que as crianças têm muito a nos dizer, acho que uma mudança pode começar a acontecer.

Quando a criança dorme não percebe a hora passar, mas também não vê a hora de acordar e começar mais um dia que passa rápido. Enquanto ele dorme a mãe o observa e pensa em Fernando Pessoa: “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que elas acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”.

Eu quero mesmo é viver a velocidade da luz, como será que é mãe?
Filho, eu não sei; acho que ela é intensa e se, me permite falar de amor, cada vez mais penso que “o amor se constrói na escuta”. Por isso, quero saber: o que você acha? Como é a velocidade da Luz?
Mãe, a velocidade da Luz é mais rápida que a do som. Da para perceber quando a gente vê o trovão e só depois ouve...

* texto construído a partir de perguntas do meu filho João de 6 anos. Ele é encanado com esta tal velocidade da Luz. Eu, como adulta chata, nunca havia me questionado sobre isso. Ao conversar sobre estas coisas com meu amigo Franco, ele me passou o trecho do Fernando Pessoa citado aí no texto. A foto foi tirada em 2015 em Alter do Chão pelo André, pai do João. Enfim, este textinho foi uma construção coletiva