PRÓXIMA FASE
As crianças são, incansavelmente, preparadas pela sociedade
e principalmente pela escola, para a próxima fase da vida. Como em um jogo de
vídeo game, onde se conquista determinados
prêmios e se destrói alguns monstros, o personagem se encontra pronto para a
fase seguinte. Até que se chegue ao objetivo final, no caso do vídeo game da
vida, para quê? No fim das contas, onde é a parada para ser ‘’alguém na vida’’?
Na educação infantil eles são preparados para entrarem no
ensino fundamental I, com a tal pré alfabetização. No final do Fundamental I
são preparadas para o Fundamental II, com a justificativa que entrarão numa
fase de mudanças e infelizmente conhecerão a divisão de disciplinas, passando a
ter muitos professores. No final do Fundamental II começam a ser preparados
para o Ensino Médio, quando terão ainda mais disciplinas fragmentadas e mais
professores desconectados. No Ensino Médio são preparados para os vestibulares.
Na faculdade serão preparados para a profissão que escolheram e, finalmente,
chegar ao objetivo final: “ser alguém na vida”.
Mas escolher a profissão, na verdade, começa ali na educação
infantil, ou até bem antes dela, com a famosa pergunta: “o que você vai ser
quando crescer?”. Existem relatos interessantes de crianças que respondem: “vou
ser grande” ou “vou ser adulto”. Mas essas inteligentes respostas não bastam para
nossa sociedade adultocêntrica e educadores que, desde sempre, insistem na
pergunta. As crianças pequenas, nas atividades escolares sobre “o que vou ser
quando crescer” escolhem profissões que os professores acham normal e bonito -
policial, professora, médico –, ou escolhem aquelas em que seus tutores as veem
como “bonitinhas’’ ingênuas e sonhadoras demais – quantos astronautas,
mergulhadores, artistas de cinema, presidentes são castrados todos os dias? Ainda
tem as crianças que escolhem profissões que causam estranhamento por conta da
nossa sociedade preconceituosa em sua visão hierarquizada do conhecimento –
pescador, catador de lixo, lavador de carro – como se o exercício intelectual e
prático fossem campos antagônicos.
O que esta simples pergunta, “o que vai ser quando crescer?”
implica na educação? Será este o ponto central da escola? Passar para a próxima
fase, sem necessariamente sabermos como está a fase atual da criança? A
criança, de forma linda e sincera, não tem a necessidade de planejar o amanhã.
O adolescente já começa a fazer planos, mas muitas vezes são barrados porque
eles não necessariamente passam pelas fases esperadas.
Por que a necessidade de obrigar as crianças a pensarem em
suas profissões, socialmente e economicamente bem vistas pela sociedade dos
adultos, ou melhor, dizendo das ex-crianças? Como podemos esquecer tão
rapidamente quem um dia fomos e os sonhos que carregávamos? Se olharmos para o
presente, o que de novo, de potencial, de bonito enxergaremos nas crianças e
jovens? Alberto Caeiro, codinome usado
pelo Fernando Pessoa sugere que a gente se importe apenas com o lugar em que
estamos:
Para além
da curva da estrada
Para além
da curva da estrada
Talvez
haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez
apenas a continuação da estrada.
Não sei
nem pergunto.
Enquanto
vou na estrada antes da curva
Só olho
para a estrada antes da curva,
Porque
não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada
me serviria estar olhando para outro lado
E para
aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar
onde estamos.
Há beleza
bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há
alguém para além da curva da estrada,
Esses que
se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é
que é a estrada para eles.
Se nós
tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora
só sabemos que lá não estamos.
Aqui há
só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.
Confesso que me perco em pensamentos sobre o mundo que
almejo, mas por ora, só sei que aqui estou, antes da curva, e estou cansada da
pressão de ter que ver o que será desse suposto e incerto amanhã. Seja para mim, para meus filhos ou para todas as crianças... Que elas possam ser pessoas mais sanas, menos ansiosas e
mais confiantes de seus sonhos. Como dizia Alexander Neill: "Gostaria antes de
ver a escola produzir um varredor de ruas feliz do que um erudito
neurótico".