sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Simplicidade

Momentos únicos que só quem é mãe/pai sabem como é: estar deitada com a(o) filha(o) na cama, fazendo cócegas, conversando, rindo, vivendo... simples e maravilhoso assim.
Em um destes dias com minha filha Luiza, de 3 anos, estava vivendo um dia melancólico e começo um diálogo:

Eu: Filha, se um dia, nós duas, só nós duas pudéssemos fazer qualquer coisa juntas, o que você iria escolher?
Luiza: Sair para comprar um presente para você!

Mais uma vez a criança surpreende. Mesmo já me colocando no lugar dela, achei que ela ia responder, “viajar juntas para África”, “ir no cinema só nós duas”... Mas não, ela queria usar este momento para comprar um presente para mim. Dei um sorriso enorme e continuei:

“Sério? E qual presente seria este presente?”. A resposta da Luiza...: “Um jornal”.

Pronto. Aí a surpresa foi maior. Um jornal??? Ri muito e acabei continuando o diálogo na lógica do adulto, ambicioso...

“Um Jornal? Só isso que você quer fazer com a mamãe num momento só nós duas?”
Luiza: “Ta bom. Nesse dia só de nós duas a gente pode comprar um presente para mim também. Uma boneca com chupeta de verdade”.

Aí  reside a simplicidade do momento. Por que nós adultos temos tanta dificuldade em ser simples como as crianças? E mais: por que a teoria da psicologia já tão provada da fase egocêntrica é colocada como rígida e absoluta? Claro, a criança pequena é egocêntrica (vejam, ela pede uma boneca para ela). Mas o que ela quer antes disso? Comprar um presente para mim...

A criança é solidária, pensa no outro, desde bebê. Sabe quando um bebê chora em um lugar público e todos os outros bebês e crianças se atentam à isso? Vejo nos olhinhos deles, os questionamentos: “por que será que este bebê está chorando? Será que a mãe dele já está lá ajudando?”.

Não nego a fase egocêntrica, longe de mim contrariar Freud e Piaget (!). Mas para mim (e desconfio que para Freud e Piaget também...) a criança é egocêntrica como devemos ser. É um egocêntrico bonito, humano, extintivo. “Este brinquedo é meu e pronto”. E é verdade: é dele mesmo.
Por que tem que emprestar para o amiguinho? Forçamos as crianças a agir com uma suposta gentileza moral, que muitas vezes, nem nós adultos damos conta desse exercício em nossas vidas. Geralmente nós não somos capazes de dividir nossos bens com ninguém. Você emprestaria “só um pouquinho” seu celular para um colega do trabalho? Ou quem sabe dar uma garfada da sua comida para um estranho no restaurante...

A Luiza, mesmo com sua personalidade forte, com sua braveza e todo seu egocentrismo, chega de uma festinha de aniversário e divide sua lembrancinha com o irmão, que não foi na festa.


Pois é, a Luiza está me ensinando que não é tão simples assim definir e taxar as diferentes fases das crianças...

*Foto de Danilo Bueno, em 16/10/2016